O AITOLÁ DOS ATEUS : RICHARD DAWKINS É O LÍDER DA NOVA CRUZADA CONTRA DEUS

 

O aitolá dos ateus

Richard Dawkins é o líder de uma nova cruzada, desta vez contra Deus


João reza todos os dias a uma chaleira de porcelana que está no céu, em órbita entre a Terra e Marte. Ele só namora moças que também acreditam na Chaleira e nunca usa camisetas verdes, pois isso é uma grande ofensa à Toda-Poderosa.
Renato, vizinho de João, acredita que o mundo foi criado por um gigantesco monstro voador feito de espaguete. Todo mês se encontra com um grupo de espagueteiros para cantar músicas sobre como o Monstro é bacana. Um belo dia, depois do café-da-manhã (sem pão, pois sua religião proíbe comidas feitas com farinha), Renato veste uma camiseta verde e sai para trabalhar.
Ao encontrar com ele, João fica muito chateado com sua roupa. Renato fica meio sem graça, afinal ele não é um seguidor da Grande Chaleira, e sim do Monstro de Espaguete. Mas promete que vai usar sua camiseta verde menos vezes.
Parece loucura? É mais ou menos assim que o zoólogo Richard Dawkins vê o mundo, com pessoas seguindo reli­giões cegamente, obedecendo a regras sem sentido e acreditando em deuses e milagres sem ter evidência nenhuma.
Para expor esse ponto de vista o cientista inglês, professor de compreensão pública da ciência na Universidade de Oxford, publicou no final de 2006 Deus, um Delírio. O livro, que chega este mês às livrarias brasileiras, é um grande manifesto ateu – mas, ironicamente, acabou se tornando um presente de Natal bem popular em países de língua inglesa. Nele,­ Daw­kins afirma que as religiões não são só coisas sem sentido, como monstros de espaguete voadores. Elas também são altamente prejudiciais à sociedade.
“Meu grande sonho é a completa destruição de todas as religiões do mundo”, dispara, com sua voz tranqüila, depois de dois minutos de entrevista. A Super conversou com o cientista em sua confortável casa de tijolinhos na cidade inglesa de Oxford onde, sentado no sofá e vestido como um perfeito inglês, de paletó, camisa social e colete de lã, ele completou o raciocínio: “Mas eu sei que isso é ambicioso demais. Na verdade, eu quero atingir as pessoas que estão em cima do muro. Pensando no assunto, talvez elas percebam que não são religiosas”.
Radical ateu
Dawkins é considerado um dos mais importantes intelectuais do mundo e um dos mais famosos divulgadores de assuntos científicos. Ele já publicou 8 livros, que venderam centenas de milhares de cópias e foram traduzidos em mais de 25 línguas, começando pelo best seller O Gene Egoísta, de 1976. O livro revolucionou a área de biologia evolutiva ao explicar a Teoria da Evolução de Darwin pelo ponto de vista dos genes. De acordo com sua perspectiva, a seleção natural não favorece os organismos mais adaptados à sobrevivência, mas, sim, os genes mais eficientes em se multiplicar. Depois que Darwin provou que os seres humanos não foram criados à imagem e semelhança de Deus – eles evoluíram a partir de animais mais simples –, Dawkins tirou os animais, as plantas e os seres vivos em geral do papel de protagonistas da evolução, afirmando que nós não passamos de máquinas de sobrevivência projetadas pelos genes. Agora volta sua bateria para Deus.
A maior parte das religiões afirma que estamos sendo acompanhados de perto por um ser superior e que isso dá sentido à nossa vida. Uma imagem tão confortante quanto sem sentido, na opinião de Dawkins. “Existe um propósito na nossa existência, que é a propagação do DNA. Pode não parecer muito nobre, porque não é o tipo de objetivo que as pessoas procuram”, explicou em uma entrevista à BBC.
Criado em um lar anglicano, Dawkins descobriu que era ateu aos 17 anos, quando se convenceu de que a Teoria da Evolução de Darwin explicava o mundo muito melhor do que qualquer religião. Mas, só agora, aos 65 anos, decidiu se dedicar de corpo e alma (ops!) a uma cruzada pela ciência e contra o obscurantismo. Seu objetivo é combater o poder crescente das religiões como forças absolutas e inquestionáveis – cita como exemplos o fundamentalismo islâmico e o que ele chama de talibã cristão nos EUA. “Supostamente os EUA são um Estado desvinculado de religião, mas George W. Bush está levando o país na direção de uma teocracia, dizendo que fala com Deus e que Deus lhe disse para invadir o Iraque”, afirma. Para combater esse tipo de atitude, criou a Fundação Richard Dawkins para a Razão e a Ciência, que “tem como objetivo defender a ciência contra os ataques da ignorância organizada”, definição que inclui tanto os defensores do ensino de criacionismo quanto as pseudociências (astrologia, homeopatia, ufologia etc.). A fundação pretende financiar pesquisas sobre a psicologia das crenças, apoiar a educação científica e ajudar a divulgação de idéias racionais.
Ele é o primeiro a reconhecer que suas opiniões são polêmicas. “Se você colocar meu nome no Google, vai encontrar um equilíbrio: há coisas muito negativas escritas por gente religiosa e coisas muito positivas escritas por gente não religiosa”, se diverte. Ocorre que até entre os ateus existe gente que discorda de suas idéias, como o físico brasileiro Marcelo Gleiser. “Acho que o Dawkins escreveu um livro provocativo para polarizar ainda mais as tensões entre ciência e religião, o que é inútil”, reclama. “As pessoas se sentem ameaçadas pela ciência, achando que ela vai ‘matar’ os deuses. É essa distorção que os cientistas devem combater, e não a fé. A ciência não quer roubar Deus de ninguém”, diz Marcelo.
Bem, não é bem isso que Richard Dawkins pensa. Ele discorda radicalmente da posição liberal de ateus como o paleontólogo Stephen Jay Gould, que afirmava que religião e ciência são assuntos que não se misturam e podem coexistir em paz, cada um ocupando partes diferentes da vida (e da mente) humana. Para Dawkins, isso não passa de duplipensamento, a técnica descrita por George Orwell no livro 1984: acreditar em duas coisas conflitantes ao mesmo tempo. No caso, o Gênesis e a Teoria do Big-Bang.
Em sua opinião, essa posição conciliadora mais atrapalha do que ajuda. Quem não se opõe abertamente às religiões ajuda, com sua omissão, a fortalecer o poder que elas já têm. Ainda assim ele nega que seja um radical: “As pessoas acham isso porque já se acostumaram a falar de religião sempre pisando em ovos”, argumenta. “É possível questionar e discordar de alguém sobre economia, esporte ou qualquer outro assunto. Quando se trata de religião, é proibido falar qualquer coisa.”
Em termos: as religiões vêm, sim, sendo questionadas em vários livros sobre ateísmo lançados recentemente. Dawkins faz parte desse movimento, ao lado de pensadores como os americanos Daniel Dennett (autor de Quebrando o Encanto) e Sam Harris (autor de O Fim da Fé). Em sua casa é possível ver várias dessas obras, que são citadas em Deus, um Delírio, pelas estantes, em cima das mesas e até mesmo no banheiro.
Movimento dos sem-deus
O cientista compara a situação dos ateus hoje em dia com a dos homossexuais nos anos 50. Para mostrar o preconceito contra as pessoas sem religião, ele cita uma pesquisa feita pelo Instituto Gallup em 1999. Segundo o levantamento, 95% dos americanos votariam em uma mulher para presidente, 92% em um negro ou judeu e 79% em um homossexual. Mas apenas 49% colocariam um ateu na Casa Branca. “Enquanto o número de judeus nos EUA é muito menor do que o de ateus, eles são muito mais poderosos, pois foram capazes de se organizar e criar lobbies políticos para defender seus interesses”, diz Dawkins. “Os ateus americanos, que são entre 20 milhões e 30 milhões, não fazem isso.”
Na verdade, é difícil até mesmo perceber que a quantidade é tão grande, porque muitos deles evitam manifestar publicamente sua ausência de crenças. “Muita gente veio me agradecer por ter escrito o que elas não tinham coragem de dizer”, se anima Dawkins. “Apesar de não ter escrito o livro pensando nessa conseqüência, agora eu acho que talvez a melhor coisa que ele pode fazer pelas pessoas é encorajá-las a sair do armário.”
Ao que parece, a porta do armário foi arrombada: uma pesquisa feita em 2006 pela companhia Harris Interactive mostra que menos da metade dos ingleses, dos alemães e dos espanhóis crêem em Deus ou em algum tipo de ser supremo. Na França, são apenas 27% da população. No Brasil os números ainda são bem diferentes, mas dá para perceber que alguma coisa está ocorrendo (apesar de o questionário do IBGE não incluir a opção “ateu”). No censo de 1991, o número de pessoas que disse não ter religião foi de 4,7%. Já em 2000 esse percentual foi de 7,4%.
Para Richard Dawkins, a pior coisa das religiões é a idéia de fé. A simples idéia de acreditar em algo que não pode ser provado é capaz de tirá-lo do sério – o que significa, para um britânico tão educado, levantar uma das sobrancelhas. “Fé é algo em que você acredita sem evidência. Pior: quanto mais absurdo o artigo de fé, mais virtuoso é o fato de se acreditar nele.” Dawkins crê que a aceitação de dogmas pode levar a sérios problemas. “Disputas entre crenças incompatíveis não podem ser resolvidas com argumentos racionais”, disse à revista online americana Salon. “Cientistas discordam entre si usando fatos e evidências para decidir quem está certo. Mas é impossível argumentar racionalmente se você simplesmente sabe que o seu livro sagrado contém a verdade absoluta dita por Deus, e a pessoa do outro lado pensa a mesma coisa sobre o próprio livro. Não surpreende que, ao longo da história, fanáticos religiosos tenham lançado mão de torturas, execuções, cruzadas, jihads e guerras santas.”
O teólogo e químico Alistair McGrath, que também é professor em Oxford, está lançando um livro em resposta a Deus, um Delírio, com o título de The Dawkins Delusion (“O Delírio de Dawkins”, sem tradução para o português). McGrath, um ex-ateu que se tornou religioso, acha que o colega apresenta as religiões de uma forma injusta. “Dawkins defende seus argumentos representando o cristianismo da pior maneira possível.” E provoca: “Concordo com Dawkins que é muito perigoso acreditar em alguma coisa sem investigar por conta própria. Mas acho que essa atitude de checar por si mesmo deve ser usada tanto para as religiões quanto para o próprio ateísmo”. Ainda que um consenso não esteja à vista, os dois têm opiniões muito parecidas em assuntos fundamentais: ambos apóiam a separação entre Estado e religião e são contra o ensino de criacionismo nas escolas, entre outras coisas.
“Acredito que é possível ter uma atitude crítica em relação às religiões. Eu costumo perguntar a alguns amigos muçulmanos onde no Alcorão está escrito que a violência, especialmente o terrorismo, é encorajada. E ninguém me responde, porque não existem esses trechos que legitimam a violência”, observa McGrath. “É essencial questionar o porquê das coisas, afinal a capacidade de fazer perguntas é muito importante para tornar o mundo um lugar mais seguro.” Uma opinião que não poderia gerar nenhuma reclamação do próprio Dawkins.
O plano assassino
Quando perguntado como poderíamos acabar com as religiões do mundo, a resposta de Richard Daw­kins é bem clara: dando uma boa educação a todo mundo. Ele explica que o número de pessoas praticantes de religiões entre os mais educados é menor do que entre os menos educados. E cita uma pesquisa publicada pela revista Nature, mostrando que, entre os cientistas da Academia de Ciências dos EUA, mais de 90% são ateus ou agnósticos e apenas 7% acreditam em Deus.
“É importante ensinar que pensar é uma coisa boa, virtuosa. Todas as crianças deveriam ser estimuladas a pensar. E elas também não deveriam seguir automaticamente a religião de seus pais”, afirma. Ele acredita que as crianças deveriam crescer conhecendo um pouco de cada religião, inclusive sabendo que é possível não escolher nenhuma. E depois de crescidas escolherem que caminho tomar. “Não se deve atribuir automaticamente a religião dos pais a uma criança. Expressões como ‘criança católica’ ou ‘criança muçulmana’ deveriam nos dar arrepios. Ninguém fala em crianças marxistas ou neoliberais, por que com as religiões deveria ser diferente?”
Ou seja, o cruzado antideus é na verdade um defensor do conhecimento e da liberdade de escolha – além de um inveterado polemista. Radicalismos à parte, seu discurso prega que uma dose de bom senso melhoraria muito a situação. O ponto nevrálgico da causa de Dawkins é a adoção de uma separação real entre Estado e religião – isso significa a exclusão dos dogmas e pressões de religiosos na implementação de leis que regulam assuntos como aborto e homossexualismo, por exemplo.
Mas, no final das contas, se todo mundo tivesse acesso à educação, não se deixasse levar por fundamentalismos religiosos nem se metesse na maneira como os outros vivem sua própria vida, talvez não fizesse mais a mínima diferença se uma pessoa acredita em Maomé, numa chaleira sagrada, num monstro de espaguete ou em nada.
ATEÍSMO PARA PRINCIPIANTES
Como boa parte do pensamento ocidental, o ateísmo tem suas raízes na Grécia antiga. Mais exatamente nos filósofos materialistas, que só acreditavam na existência daquilo que pudesse ser percebido pelos sentidos (visão, olfato, tato etc.). O primeiro ateu célebre da história foi o filósofo Epicuro, que afirmou não acreditar na existência de Deus nem na vida após a morte. Séculos depois, suas idéias foram difundidas em Roma pelo poeta Lucrécio. A discussão morreu depois da queda do Império Romano, já que na Idade Média questionar a existência de Deus era suficiente para levar uma pessoa para a fogueira. O assunto voltou a público lá pelo século 16, quando surgiu o conceito de deísmo – a crença em um Deus, mas não em uma religião. Foi a deixa para que as pessoas começassem a questionar as religiões. Textos da Antiguidade Clássica foram resgatados e alguns filósofos, como Thomas Hobbes, foram preparando o terreno para o crescimento do ateísmo como o conhecemos hoje.
Esse novo pensamento possibilitou o surgimento dos Estados laicos (em que governo e religião são separados), como o francês. No final do século 19, havia uma crença disseminada de que um dia a ciência explicaria tudo no mundo e ninguém mais precisaria de religião. O filósofo alemão Nietzsche disse “Deus está morto”. Hoje já sabemos que matar Deus não é tão fácil e que as verdades científicas não fazem necessariamente as pessoas deixar de lado suas idéias religiosas. Apesar disso, o que não falta é gente tentando juntar ciência e religião “na marra”, como os defensores do design inteligente, que nada mais é do que o velho criacionismo vestido de ciência.


por Texto Barbara Axt

Para saber mais

Richard Dawkins, Companhia das Letras, 2007.
Quebrando o Encanto
Daniel Dennett, Globo, 2006.
O Fim da Fé
Sam Harris, Tinta da China, Portugal, 2007.
 
Fonte:http://super.abril.com.br/ciencia/aitola-ateus-447166.shtml


Procura-se Deus


Em pleno século 21, a humanidade continua tentando conciliar fé e razão. Mas será que algum dia a ciência terá condições de provar que foi mesmo Deus (ou alguma outra entidade superior) quem criou o Universo e determinou os rumos da evolução?


O zoólogo Richard Dawkins e o paleontólogo Simon Conway Morris têm muito em comum: lecionam nas mais prestigiadas universidades da Grã-Bretanha (Dawkins em Oxford e Morris em Cambridge) e compartilham opiniões e crenças científicas quando o tema é a origem da vida. Para ambos, a riqueza da biosfera na Terra é explicada mais do que satisfatoriamente pela teoria da seleção natural, de Charles Darwin. Os dois também concordam que, caso a história do nosso planeta pudesse ser reproduzida em outro lugar, a evolução provavelmente seguiria um rumo bem parecido ao observado por aqui, inclusive com o aparecimento de animais de sangue quente, como nós. Num encontro realizado na Universidade de Cambridge em outubro, porém, eles protagonizaram um novo round de um debate que divide a humanidade desde que o mundo é mundo: Deus existe? Morris, cristão convicto, afirmou na palestra promovida pela Fundação John Templeton (cuja missão é “explorar as fronteiras entre teologia e ciência”) que a “misteriosa habilidade” da natureza para convergir em criaturas morais e adoráveis como os seres humanos é uma prova de que o processo evolutivo é obra de Deus. Já o agnóstico Dawkins disse que o poder criativo da evolução reforçou sua convicção de que vivemos num mundo puramente material. O debate entre Dawkins e Morris, como já foi dito, não é novo, longe disso. De um lado, é óbvio que sempre haverá bilhões de pessoas que acreditam em Deus. Ao mesmo tempo, dificilmente vamos viver para comprovar Sua existência (ou inexistência). Entender alguns laços que unem ciência e religião e mostrar como essa relação vem mudando ao longo dos tempos é o tema desta reportagem.

Durante muitos séculos, Deus (e só Ele) foi apresentado como o principal responsável pelo sucesso da aventura humana sobre o planeta – nas artes, nos livros, nas escolas e nas igrejas. Até que a ciência começou a mostrar que isso não era necessariamente verdade. Na década de 1860, a teoria da seleção natural e da evolução das espécies, de Charles Darwin, lançou as primeiras dúvidas consistentes acerca da influência divina sobre a ordem da vida na Terra. Com o passar dos anos, mais e mais pesquisadores passaram a defender que o destino da humanidade era abandonar gradativamente a fé e a religião em nome da crença em explicações “objetivas” para os fenômenos naturais. “No fim do século 19, os cientistas acreditavam estar muito próximos de uma descricão completa e definitiva do Universo”, escreveu o físico britânico Stephen Hawking.

No século 20, Nietzsche, Marx, Freud, Sartre e outros chegaram a apostar na “morte” de Deus e no início de uma “era da razão”. Não é preciso ser um especialista para saber que esse triunfo não se concretizou. Ao contrário. O que se observa hoje é uma revalorização da fé, inclusive entre os cientistas, como Simon Morris. “Ao longo da história, a relação do homem com o sagrado tem se mostrado um traço extremamente persistente”, diz Oswaldo Giacoia Júnior, professor de história da filosofia moderna e contemporânea da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp. “Nos regimes socialistas em que a religião era proibida as pessoas substituíam a fé por uma ideologia.”

Cabe, então, à ciência provar a existência de Deus? O paleontólogo americano Stephen Jay Gould acredita que nenhuma teoria (nem mesmo a da evolução) pode ser vista como uma ameaça às crenças religiosas, “porque essas duas grandes ferramentas da compreensão humana trabalham de forma complementar, e não oposta: a ciência para explicar os fenômenos naturais e a religião como pilar dos valores éticos e da busca por um sentido espiritual para a vida”. É por pensar assim que ele sempre se colocou do lado dos pesquisadores que são contra misturar ciência com religião (leia mais no quadro da página ao lado).

Quem é Deus?

O cabelo e a barba grisalhos denunciam a idade, mas o corpo é forte e musculoso. Os traços da face transmitem a autoridade de quem não hesitará em agir sobre o mundo caso seja necessário. Para bilhões de ocidentais, a pintura de Michelangelo no teto da capela Sistina, no Vaticano, é a síntese perfeita de Iavé, o Deus bíblico, aquele que “criou tudo em 6 dias”. Como diz o escritor americano e ex-jesuíta Jack Miles, autor de Deus, uma Biografia, mesmo quem não acredita continua moldando seu caráter por influência dessa imagem. Miles faz uma análise surpreendente da Bíblia, ao tratar de Deus como um personagem literário. O resultado é que, como protagonista do livro mais influente da história, Iavé revela uma personalidade que oscila bastante em relação à sua criação – como no momento em que ordena o dilúvio, para tentar “consertar” tudo.

Mas esse Deus é apenas uma entre inúmeras concepções de divindades. Não há sequer consenso em torno do número de deuses. Para mais de 750 milhões de hindus, existem centenas deles, como Brahma, Shiva e Krishna, para ficar nos mais conhecidos. Em rituais xamânicos de origem indígena, os deuses incorporam até em plantas e animais. E para mais de 350 milhões de seguidores do budismo, não há sequer uma divindade a cultuar – apenas Buda, um homem que atingiu a iluminação e virou guia espiritual. Como, então, a ciência pode encontrar Deus?

Apesar disso, os estudiosos sabem que há algo em comum entre essas crenças. Sem exceção, elas acreditam que há uma ordem, uma espécie de propósito (ou, se você preferir, sentido) no Universo. Nenhuma religião trabalha com o pressuposto de que o acaso e a indiferença regem as nossas vidas. Curiosamente, foi a busca por essa ordem que acabou impulsionando o avanço da própria ciência.

Da geometria ao acaso

No século 18, a maioria dos filósofos e cientistas acreditava piamente que a humanidade estava prestes a decifrar (integral e definitivamente) a ordem do Cosmos. Na época, havia motivos de sobra para tamanho otimismo: fazia mais de 100 anos que Isaac Newton publicara Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, considerada até hoje a obra mais importante da história da física. Nela, Newton não apenas descreveu como os corpos se deslocam no espaço e no tempo, mas desenvolveu a complexa matemática necessária para analisar esses movimentos. Segundo essa teoria, as leis do Universo eram estáveis e previsíveis, como se tivessem sido projetadas por um craque da geometria. Em 1794, o escritor, poeta e artista plástico inglês William Blake resumiu essa idéia ao desenhar Deus (um velho barbudo, como o de Michelangelo) criando o mundo com um compasso na mão. “A metáfora do Deus geômetra deriva da velha idéia platônica de um Universo dualista, em que há a necessidade de existir uma ordem, mas continua influenciando a ciência até hoje”, diz o brasileiro Marcelo Gleiser, autor de O Fim da Terra e do Céu e professor de física e astronomia da Faculdade de Dartmouth, nos EUA.

A imagem de Deus, nesse sentido, era perfeitamente compatível com a visão científica do mundo da época. Os problemas só surgiam quando alguém tentava juntar as mais recentes descobertas da ciência com a história bíblica da Criação. Afinal, o estudo das camadas geológicas que formaram a Terra já provava que nosso planeta tinha milhões de anos – e não 5 mil, de acordo com os cálculos de Santo Agostinho. Mas bastava esquecer “detalhes” como esse para que todos fossem dormir felizes, conscientes de que o Universo tinha sido mesmo obra do Criador. Até que...

Se havia uma ordem no Universo, nada mais natural que ela comandasse todas as forças da natureza. E o homem, é claro, era visto como o exemplo máximo da perfeição da vida sobre a Terra. Mas Charles Darwin apresentou sua teoria sobre a seleção natural das espécies e colocou em xeque a idéia de que Deus era o responsável por tudo isso que está aí. Vale lembrar que Darwin nunca disse que o homem descendia dos macacos – apenas que homens e macacos eram parentes evolutivos com um ancestral comum (os paleantropólogos estimam, hoje, que esse “tataravô” viveu em algum momento entre 4 milhões e 6 milhões de anos atrás). Ainda assim, muita gente não aceitou a idéia de que as espécies vivas, incluindo a nossa, possam ter se desenvolvido graças apenas à seleção natural, tendo evoluído quase por acaso em meio a tantas outras espécies. O fato é que o estudo da história da vida em nosso planeta comprovou que, durante milhões de anos, outras espécies reinaram por aqui sem que houvesse nenhuma necessidade da existência dos homens. Como bem resume o cientista americano Carl Sagan no seriado de televisão Cosmos, recentemente relançado em DVD pela super, se a história do Universo fosse condensada em apenas um ano, o aparecimento da espécie humana teria ocorrido nos últimos instantes do dia 31 de dezembro.

E o avanço da física deixou claro que, se o Universo fosse um relógio, nem sequer o tempo marcado por ele seria preciso. Em 1905, Albert Einstein publicou seu estudo da Teoria da Relatividade que, resumidamente, pôs fim à idéia de tempo absoluto. A estabilidade perfeita das leis de Newton começou a se despedaçar para sempre. Logo em seguida, o estudo da mecânica quântica revelou que não é possível sequer prever a posição exata de partículas subatômicas, obrigando os cientistas a se contentar em trabalhar com probabilidades. Apesar de ter ajudado a destruir a velha noção de ordem no espaço e no tempo, Einstein acreditava cegamente que a natureza funcionava (ou deveria funcionar) segundo regras bem definidas – e não de maneira aleatória, como num grande jogo de azar. Numa carta para o físico Max Born, Einstein escreveu: “Você crê em um Deus que joga dados e eu, na lei e na ordem absolutas.” Se para um cientista como Albert Einstein não era fácil lidar com o acaso e o caos, imagine para os que acreditam na religião.

Do ponto de vista da física pura, porém, é importante ressaltar que todo esse papo de criação do Universo tem pouca (ou nenhuma) importância. Não fosse pela descoberta da teoria do big-bang (segundo a qual ele surgiu após uma grande explosão), nem sequer haveria a necessidade de provar que houve uma “hora zero”, afinal o tempo e o espaço são mesmo relativos, não é mesmo? Curiosamente, o big-bang passou a ser considerado por muitos fiéis a “evidência científica” de que a Bíblia está certa ao descrever o “início de tudo”. Talvez para tentar explicar a incompatibilidade existente entre a física das partículas subatômicas e a Teoria da Relatividade, muitos pesquisadores têm discutido atualmente a chamada Teoria das Supercordas, que propõe uma explicação unificada capaz de preencher essas lacunas. “De qualquer maneira, essa tese é mais um desejo de encontrar uma ordem do que algo validado cientificamente”, diz o físico Marcelo Gleiser.

E se a ciência conseguisse achar essa tal ordem no Universo, será que isso seria a prova da existência de Deus? Ou será que a busca pelo divino não passa de uma necessidade inventada pelo homem para colocar um sentido em tudo (afinal, até onde se sabe, somos os únicos animais que tentam entender por que existe a morte)? Nas últimas décadas, o que se tem visto é um acirramento das diferenças entre aqueles que acreditam que a complexidade da vida só pode ser explicada por uma inteligência superior e aqueles que defendem que a inclinação para acreditar em Deus é apenas um traço biológico da nossa espécie, ou seja, somos programados para ter fé. É o que veremos nas próximas páginas.

Deus vai à escola

Dover, no estado americano da Pensilvânia, é uma daquelas cidades tão pequenas que mal dá para avistar seu núcleo urbano da altura média de vôo de um jato comercial. A pacata vida de seus 1814 habitantes, a maioria descendente de alemães, quase nunca foi notícia nos grandes jornais dos EUA. Tudo mudou no dia 18 de outubro deste ano, quando teve início o julgamento sobre a grade curricular de uma escola pública local que decidiu dedicar parte das aulas de biologia ao estudo de uma teoria conhecida em inglês como intelligent design (algo como projeto ou desenho inteligente, numa tradução livre para o português). Seu principal cartão de visita é o fato de se contrapor à tese de Darwin sobre a seleção natural e a evolução das espécies. Como a Constituição americana garante a total separação entre a Igreja e o Estado, alguns pais acharam que a direção do colégio estava muito perto de misturar ciência e religião, apelaram para a intervenção da Justiça e o debate pegou fogo no país.

Nas salas de aula em questão, as crianças e jovens aprendem que várias tarefas altamente especializadas e complexas do organismo humano – como a visão, o transporte celular e a coagulação, entre outras – só podem ser explicadas pela ação de uma força maior ou, em outras palavras, pela intervenção de um ser superior, capaz de bolar o tal desenho inteligente do nosso corpo e da nossa mente. Para a maioria dos biólogos do planeta, contudo, essa tal inteligência não passa de um novo nome para um velho conceito: o criacionismo bíblico, segundo o qual estamos na Terra apenas porque saímos da prancheta (ou da imaginação) divina para nos reproduzir “à Sua imagem e semelhança”.

Se, como já foi dito no início do texto, há muitos cientistas que não vêem motivos para buscar as impressões digitais de Deus na história do Universo, outros tantos acreditam que as teses de Darwin têm falhas e, como tal, precisam ser ensinadas nas escolas “em toda sua amplitude”, ou seja, alertando os alunos para o fato de que há controvérsias a respeito das descobertas que o jovem naturalista inglês fez a bordo do navio Beagle. Os defensores do desenho inteligente juram que não têm nenhuma ligação com os criacionistas do século 19, que difundiam uma interpretação literal do Gênese para conter a rápida e eficaz disseminação das teorias darwinistas – apesar das críticas da maior parte dos colegas da comunidade científica.

“Uma coisa é você tentar justificar uma fé usando argumentos científicos, outra é descobrir uma teoria científica que pode ser compatível com a fé”, disse à Super o bioquímico Michael J. Behe, pouco depois de depor no julgamento em defesa da “nova tese”. Professor da Universidade de Lehigh, na Pensilvânia, e autor do livro A Caixa-Preta de Darwin, ele diz que, se toda formulação científica compatível com uma crença religiosa tivesse de ser descartada automaticamente pelos pesquisadores, os astrônomos jamais poderiam aceitar os estudos sobre o big-bang. “Estou apenas defendendo o direito dos estudantes de terem acesso a outras idéias sobre a criação do Universo”, afirmou Behe.

A discussão em torno do ensino de ciências – inclusive com a interferência do Poder Judiciário – não é nenhuma novidade nos EUA. No início dos anos 20, muitos estados americanos simplesmente proibiram os alunos de ter aulas sobre as teorias evolutivas de Darwin. Em 1925, teve início um julgamento que, num primeiro momento, levou à condenação de um professor do ensino médio do Tennessee simplesmente porque ele acreditava que somos parentes dos macacos (e dizia isso em classe). Após sucessivos recursos de ambos os lados, o processo só terminou em 1968, quando a Suprema Corte decidiu que qualquer iniciativa no sentido de definir o currículo escolar com base em crenças religiosas era inconstitucional.

É por isso que tantos vêem o desenho inteligente como uma espécie de cortina de fumaça para colocar Deus de volta nas salas de aula? Será que, do ponto de vista científico, o desenho inteligente tem consistência? “Por enquanto, não”, afirma Vera Volferini, professora de genética e evolução da Unicamp. Segundo a bióloga, não existem ainda argumentos científicos que sejam tranqüilamente aceitos pela maioria dos pesquisadores. “Teorias como essa presumem que o ser humano é o resultado de um projeto perfeito, o que não é verdade. É consenso entre os especialistas que o design humano, apesar de eficiente, está longe de ser inatacável biologicamente. A próstata do homem, para ficar em apenas um exemplo, não segue um desenho anatômico ideal”, diz ela. E é justamente essa falha na concepção que provoca muitos problemas que afetam boa parte dos machos da espécie. Além disso, por que não poderíamos ter mais de 5 dedos em cada mão? Vera explica que, ao menos do ponto de vista biológico, temos esse número de dedos não porque seria um problema ter um ou dois a mais, mas porque fazemos parte de uma espécie cujo ancestral, há milhões de anos, tinha (por acaso) 5 dedos.

No Brasil, a teoria criacionista já desembarcou também – nos colégios públicos do Rio de Janeiro e, por enquanto apenas nas aulas de religião (em 2002, um lei proposta pelo governador Anthony Garotinho incluiu a disciplina “religião confessional” no currículo escolar). E a atual governadora do estado, a presbiteriana Rosinha Matheus (mulher de Garotinho), afirmou recentemente ao jornal O Globo que não acredita nas teses darwinianas. Apesar de o assunto não ser tratado nas aulas de biologia por aqui, o tema vem preocupando entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que já se manifestou contra a disseminação do criacionismo nas escolas fluminenses. “O problema não é ter ou não uma crença pessoal”, diz Marcelo Menossi, professor de genética molecular da Unicamp. “O problema é tentar justificar e espalhar essa crença usando falsos argumentos científicos.”


Nos anos 60, a britânica Jane Goodall afirmou que algumas espécies podem ter a religiosidade gravada nos próprios genes. A pesquisadora ficou famosa ao estudar o comportamento de chimpanzés na Tanzânia. Numa de suas numerosas observações, descobriu que os macacos agiam de maneira nada usual diante de uma cachoeira, demonstrando o que ela batizou de senso místico e de reverência. “Alguns permaneciam sentados numa rocha em frente à queda d’água, como se estivessem encantados. Outros ficavam sob a queda d’água por mais de 50 minutos, quando normalmente nem gostavam de se molhar.” Goodall concluiu que esse comportamento é um traço de religiosidade primitiva. E nós? Será que também nós humanos fomos “programados” para acreditar em Deus?

Para o biólogo Edward O. Wilson, um dos pioneiros da sociobiologia (ciência que se dedica a compreender o comportamento humano por meio da biologia), a predisposição para a religião é mesmo resultado da evolução genética do cérebro. Segundo ele, nossa inclinação para acreditar num ser superior pode ser resultado da submissão animal. Ele conta que entre macacos rhesus o macho dominante caminha com a cauda e a cabeça erguidas, enquanto os dominados mantêm a cabeça e a cauda baixas, em sinal de respeito ao líder – em troca, eles têm proteção contra os inimigos e acesso a abrigo e alimento. Segundo Wilson, a tendência de se submeter a um ser superior é herança dessas ações. “O dilema humano é que evoluímos geneticamente para acreditar em Deus, não para acreditar na biologia.”

Essa seria uma das razões pelas quais Deus é sempre invocado quando precisamos lidar com temas etéreos (e muitas vezes polêmicos, como a bondade, a solidariedade etc.). “Afinal, se Deus for apenas uma constante física, é óbvio que ele não terá nada a dizer sobre ética, certo e errado ou qualquer outra questão moral”, diz o britânico Richard Dawkins (leia o quadro da página ao lado).

O radiologista Andrew Newberg e o psiquiatra Eugene D’Aquili (que morreu há 5 anos) resolveram buscar diretamente no cérebro a origem da experiência religiosa. Utilizando aparelhos de tomografia, eles revelaram as áreas mais ativadas pela meditação em 8 budistas e em um grupo de freiras franciscanas. A pesquisa, cujos resultados foram publicados no livro Why God Won’t Go Away (“Por que Deus não Vai Embora”, sem tradução no Brasil), mostrou que durante as orações havia uma diminuição da atividade no lobo parietal superior, a área do cérebro responsável pela nossa orientação de tempo e espaço, pela sensação de separação entre o corpo e o indivíduo e pela delimitação entre o “eu” e os “outros”. Ou seja, ao meditar criamos um bloqueio que provoca a sensação de unicidade típica do êxtase religioso.

Além disso, várias outras pesquisas comprovam que ter fé, independentemente de acreditar em um ou mais deuses, faz bem para o corpo e a mente, pois melhora as condições de saúde e aumenta a sensação de felicidade. A ciência ainda não conseguiu explicar se Deus criou o nosso cérebro com essa habilidade ou se foi a evolução que fez o cérebro criar esse portal para Deus. Mas nesta nova era de espiritualidade talvez isso não seja tão importante assim. O que conforta muita gente é acreditar que é possível melhorar o mundo pela fé.

"A relação do homem com o sagrado tem se mostrado um traço persistente."
Oswaldo Giacoia Júnior, professor de história da filosofia moderna e contemporânea da Unicamp.
"A metáfora do deus geômetra deriva da velha idéia platônica de um universo dualista, em que há a necessidade de existir uma ordem superior, mas continua influenciando a ciência até hoje."
Marcelo Gleiser, professor de física e astronomia da Faculdade de Dartmouth, nos EUA.
"Uma coisa é você tentar justificar uma fé usando argumentos científicos, outra é você descobrir uma teoria científica que pode ser compatível com a fé."
Michael J. Behe, bioquímico e um dos principais defensores da tese do “desenho inteligente”.
"Se Deus for só uma constante física, é óbvio que ele não terá nada a dizer sobre o que é certo ou errado em questões morais."
Richard Dawkins, zoólogo e professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra.


A indiferença do universo

Para muitos pesquisadores, o que distingue a ciência de outras visões de mundo é exatamente sua recusa em aceitar cegamente qualquer informação e sua determinação de submeter qualquer tese a testes constantes até que novos dados possam confirmá-la ou refutá-la. Essa visão baseia-se, entre outras coisas, na obra do filósofo vienense Karl Popper, que morreu em 1994. Segundo Popper, a ciência só pode tratar de temas que resistam ao que ele chamou de “critério de falseabilidade”. Resumidamente, o papel do verdadeiro cientista é buscar, com persistência, erros em sua teoria – em vez de tentar achar dados que provem sua correção. Quanto mais genérica e exposta a falhas (ou seja, quanto mais “falseável”), menos provável ela é. Por outro lado, quanto mais resistente (menos falseável), maiores as chances de acerto, pelo menos até o próximo teste. É por isso que um grande número de estudiosos argumenta que não é papel da ciência provar a existência de Deus. “Não faz sentido alguém afirmar que, ao descobrir um mistério do Universo, está ajudando a decifrar a mente divina”, diz o zoólogo britânco Richard Dawkins. Apesar disso, ele reconhece que é fascinante encantar-se diante dos mistérios da natureza – e das limitações científicas para explicá-los. Esse sentimento foi batizado pelo físico brasileiro Marcelo Gleiser de “misticismo racional”. Em outras palavras, é uma espécie de declaração de amor pelos fenômenos naturais, que se concretiza por meio da pesquisa científica. Segundo ele, há um paradoxo por trás da incansável busca por uma ordem e um sentido no Cosmos. “Como o homem é o único ser capaz de amar, tem uma imensa dificuldade em aceitar que o Universo pode ser totalmente indiferente a ele”, afirma.

A ética num mundo sem "ele"

“Se Deus não existe, tudo é permitido.” A frase, que ficou célebre no livro Os Irmãos Karamazov, do russo Fiodor Dostoievski, resume uma das questões mais cruciais do mundo moderno: sem uma referência divina, passaríamos a viver numa espécie de vale-tudo moral? “Não necessariamente”, diz o filósofo Oswaldo Giacoia Júnior, da Unicamp. “A busca de um código de valores sempre foi uma preocupação central da filosofia, sem necessidade de uma legitimação divina.” No século 18, por exemplo, os ideais de igualdade e justiça social, aceitos hoje como uma preocupação ética, surgiram de formulações dos filósofos iluministas – que acreditavam ser possível defendê-los com base na razão, não na religião (na época, esse tema não era nada popular no Vaticano). Em meados do século 20, o francês Jean Paul Sartre, o pai do existencialismo – segundo o qual de nada adianta buscar um propósito da existência para além da vida humana –, disse que a nossa própria condição de seres que vivem em sociedade é suficiente para justificar a prática de valores solidários. E ainda hoje filósofos como o vienense Peter Singer (um dos mais ferrenhos defensores dos direitos dos animais) continuam defendendo uma série de condutas éticas baseadas na razão, não na fé. Mas será que a adoção pura e simples de uma ética sem Deus não pode nos levar a um racionalismo frio, capaz de ofuscar valores menos palpáveis, como a bondade? “A fé não se traduziu apenas em atos de paz e harmonia ao longo dos tempos”, lembra Giacoia. “Dos grandes conflitos religiosos do passado ao moderno terrorismo fundamentalista, já foram cometidas inúmeras atrocidades em nome da ética religiosa em todo o mundo.”

por Texto Rodrigo Cavalcante

Para saber mais

Deus, uma Biografia - Jack Miles, Companhia das Letras, 2002
Desvendando o Arco-Íris - Richard Dawkins, Companhia das Letras, 2000
Consiliência - Edward O. Wilson, Editora Campus, 1999
O Romance da Ciência - Carl Sagan, Francisco Alves, 1982
Why God Won´t Go Away - Andrew Newberg e Eugene D·Aquili, Ballantine Books, 2002
A Caixa-Preta de Darwin - Michael Behe, Jorge Zahar Editor, 1997
 
Fonte:http://super.abril.com.br/religiao/procura-se-deus-446112.shtml
 

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