HABITATS PARA A HUMANIDADE


Evento em São Francisco, da rede de

cidades biofílicas,  transforma áreas
de estacionamento em espaços verdes


Habitats para a humanidade

Um novo conceito de planejamento urbano, a biofilia prevê cidades em contato cada vez mais próximo com a natureza


Todo o movimento por cidades-melhores-mais-verdes-mais-incríveis tem um problema: ainda não achamos um nome para ele. Cidades sustentáveis! O termo faz pensar em tediosas formalidades, como auditorias energéticas e rotas de trânsito. Cidades resilientes! A noção exige que avaliemos, em primeiro lugar, quais são os problemas que estão nos atordoando. Cidades neutras em carbono! Argh! Nem espere que eu comente esta proposta. Finalmente, o professor de planejamento urbano e ambiental da Universidade da Virgínia, Tim Beatley, aparece com a solução. Cidades biofílicas.

A proposta é melhor do que parece! Cidades biofílicas são lugares onde animais e plantas, junto a outras coisas selvagens, participam de nossas vidas cotidianas. O nome vem de "biofilia", a teoria de E. O. Wilson de que os humanos têm uma conexão inata com outros organismos vivos, porque evoluímos ao lado deles. É futurismo com um toque “paleo”: Um esforço para criar um habitat humano que também possa receber uma ampla gama de outras criaturas selvagens; e não apenas em benefício delas, mas também de nós mesmos.

A ideia parece bastante atraente. Em outubro, Beatley ajudou a criar a Rede das Cidades Biofílicas, que inclui oito cidades no mundo todo, e há mais por vir. "Reduzir nossas emissões, insistir para que as pessoas desliguem as luzes — precisamos fazer tudo isso", diz Beatley. "Mas motivar as pessoas a pensar que precisamos de uma visão de onde queremos chegar, e não apenas de que precisamos consumir menos de um determinado recurso."

Em visita à sede do site Grist, o autor do recém-lançado “Biophilic Cities: Integrating Nature into Urban Design and Planning” (Cidades biofílicas: integrando a natureza no design e planejamento urbano, em tradução livre) conversou sobre alguns temas como nossa estranha relação com o mundo natural e as “cidades verdes”.

Como uma cidade biofílica é diferente de uma "cidade sustentável" ou de uma "cidade verde"?
Há muitos pontos em comum, pode ter certeza. Uma cidade biofílica precisa ser resiliente e sustentável, evidentemente. Mas precisa também apresentar uma vida urbana densa e rica em contato direto com a natureza. A ideia vem da teoria de que evoluímos conjuntamente com o mundo natural, de que carregamos nossos antiquíssimos cérebros e de que temos uma necessidade inata de nos conectarmos à natureza.

Eu sei que passar tempo ao ar livre faz bem, mas as pessoas realmente precisam da natureza? É como o brócolis, certo? Sabemos que faz bem à saúde, mas é por isso que desenvolvemos os multivitamínicos.
 Podemos sobreviver assim? Claro que podemos e, de fato, sobrevivemos. Mas você não seria necessariamente muito feliz, produtivo ou criativo. Nos últimos dois ou três anos, houve um aumento no número de estudos que mostram o quanto nos beneficiaríamos de ter a natureza ao nosso redor. Isto afeta nosso humor. Obtemos melhores resultados em testes de criatividade quando temos a natureza ao nosso redor. Em um ambiente mais natural, é possível que tomemos decisões mais consequentes sobre a economia. É possível que sejamos mais generosos. É possível que sejamos seres humanos melhores... se tivermos a natureza sempre ao nosso redor — enxergando-a não como um local que você visita para passar o feriado, mas como parte de sua vida cotidiana.

Divulgação

Tim Beatley: “É possível que sejamos seres humanos melhores se tivermos a natureza sempre ao nosso redor”


Você pode me dar alguns exemplos de cidades que conseguiram incorporar a natureza em sua paisagem urbana?
Singapura representa um exemplo de criação de espaços verdes que pode ocorrer em qualquer cidade densamente povoada. A cidade está desenvolvendo políticas para a promoção do desenvolvimento de áreas verdes verticais — sacadas verdes, terraços verdes, paredes verdes. Ela também desenvolveu uma nova rede de calçadas, algumas delas em plataformas suspensas.

Vitoria-Gasteiz, a capital do País Basco, na Espanha, é, sob muitos aspectos, o modelo perfeito. Trata-se de uma cidade densa e compacta, mas também em contato próximo com a natureza. A cidade possui um anel de áreas verdes fantástico que a cerca. Há um caminho de pastores histórico, onde as pessoas podem caminhar. Agora a cidade está criando um anel verde interno, levando a natureza até a área densamente urbanizada.

Há ainda Oslo, onde dois terços da cidade é reserva florestal. Há uma rede abrangente de rotas urbanas, e eles elaboraram rotas e estações de transporte público para ajudar as pessoas a circular pelas florestas públicas. Eles estão adensando o um terço restante de cidade, instalando iluminação natural e restaurando os oito principais rios que ligam a floresta à área urbana.

Adeus, estou me mudando para a Noruega.
Temos quatro cidades parceiras [na Rede de Cidades Biofílicas] nos Estados Unidos, também. Em Portland, foram criadas ruas verdes, que levam um pouco da natureza à área urbana e ainda coletam e limpam a água da chuva. São Francisco tem sido pioneira em transformar pequenos espaços em pequenos parques. Organizações como Nature in the City estão realizando a restauração de habitats de borboletas e tentando encontrar formas de ligar estes pequenos espaços a uma rede de habitats.

Portanto, é natureza tanto em prol das pessoas, quanto da própria natureza.
Pode ser. Há um recente estudo que mostra uma significativa quantidade de biodiversidade nas cidades — a ideia de que as cidades podem ser arcas biológicas é bastante verdadeira. Em muitas partes do mundo, as cidades abrigam um enorme número de espécies que se perderam em ambientes não urbanos. Em lugares como a Holanda, onde a paisagem natural foi completamente alterada pelos humanos, você não deve se surpreender se  encontrar mais natureza no cemitério de uma cidade do que na área rural adjacente. Não é exatamente assim aqui, mas em Nova York, você pode encontrar remanescentes de florestas antigas — o maior álamo do mundo está no Brooklyn, por exemplo —, já que todo o restante delas foi cortado no período de desenvolvimento da agricultura e conversão da terra.

À medida que nos tornamos um planeta mais urbano, estes ambientes urbanos precisam abrigar quantidades cada vez maiores de biodiversidade. Ainda precisamos nos preocupar com a conservação das florestas tropicais e dos arrecifes de corais, mas as cidades precisam ser parte do habitat natural — para nós mesmos, em última instância.

Insira as mudanças climáticas nessa bagunça.
Quase tudo o que fazemos para tornar uma cidade biofílica terá benefícios significativos em termos de aumentar a resiliência, quando se pensa sobre as secas e ondas de calor que o isolamento térmico urbano produz.  Isto também pode exercer um impacto sobre as mudanças climáticas em larga escala: aumento do nível do mar, temperaturas cada vez maiores durante o verão, todo tipo de coisa que pode ser melhorada por meio da introdução de mais ambientes naturais nas cidades.

E isso também nos ajudará a manter a sanidade durante o apocalipse?
Há um sujeito chamado Keith Tidball que tem escrito sobre a necessidade de "biofilia urgente". Ele argumenta que, justamente nos momentos de crise, como quando ocorrem furacões ou terremotos, é que mais precisamos da natureza. É algo terapêutico, com grande poder de recuperação. Em Christchurch, na Nova Zelândia, por exemplo, que tem se recuperado de dois terremotos recentes, o aumento das áreas verdes está ajudando a cidade a se recuperar do imenso trauma.

Nós sabemos que a natureza ajuda a reunir as pessoas, promove a socialização, a formação de amizades, a construção de um sentimento de pertencimento e compromisso com um lugar. Todas essas coisas podem nos ajudar a nos tornarmos mais resilientes ante uma série de possíveis choques futuros, tanto econômicos, quanto ambientais. A natureza pode fazer isso.


Tradução Henrique Mendes


Texto originalmente publicado em
Grist, o site publicado nos Estados Unidos, dedicado à divulgação de notícias e assuntos relacionados ao meio ambiente

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