FIDEL CASTRO ROMPE O SILÊNCIO E DIZ : 'NÃO CONFIO NOS EUA'

Fidel Castro rompe o silêncio e diz: 
‘Não confio nos EUA’
Ex-presidente se manifestou pela primeira vez sobre reaproximação de Cuba e EUA, sem rejeitar acordo
HAVANA - O ex-presidente cubano Fidel Castro afirmou na noite desta segunda-feira que não confia nos Estados Unidos, mas não rechaçou a retomada das relações anunciada por seu irmão e sucessor Raúl Castro e pelo presidente Barack Obama. Quebrando o silêncio sobre o histórico degelo entre os dois países, o líder cubano, no entanto, sinalizou que não manteve nenhum diálogo com Washington.
"Não confio na política dos Estados Unidos, nem troquei uma palavra com eles, sem que isso não signifique uma rejeição a uma solução pacífica dos conflitos", disse Fidel em carta dirigida à Federação Estudantil Universitária e lida na TV cubana.
A opinião de Fidel sobre o processo de normalização das relações com os Estados Unidos ocupa os dois últimos parágrafos de uma carta de duas páginas, com referências autobiográficas e reflexões sobre a História política universal e cubana. O texto é datado de 26 de janeiro de 2015, às 12h35 (locais).
"Qualquer solução pacífica e negociada dos problemas entre os Estados Unidos e as pessoas ou quaisquer povos da América Latina, que não implique força ou a utilização da força, deverá ser tratada de acordo com os princípios e as normas internacionais. Defenderemos sempre a cooperação e a amizade com todos os povos do mundo e, entre eles, e os dos nossos adversários políticos. Isto é o que estamos pedindo a todos", continua a carta.
No fim do texto, o líder da revolução cubana, de 88 anos, comentou o desempenho de seu irmão, sem rejeitar o acordo de reaproximação com os Estados Unidos anunciado no dia 17 de dezembro, após meio século de rompimento.
"O presidente de Cuba tem dado passos pertinentes de acordo com suas prerrogativas e com as faculdades que a Assembleia Nacional e o Partido Comunista de Cuba concedem a ele", completou Fidel.
Desde que sua condição de saúde o obrigou a ceder o poder para Raúl em 2006, Fidel tem escrito textos longos para opinar sobre questões cubanas e internacionais que considera importante.
O silêncio do líder sobre o acordo firmado entre Cuba e EUA havia aumentado os boatos sobre a sua morte e estado de saúde no começo do mês, até que o ex-jogador argentino Diogo Maradona anunciou há duas semanas ter recebido uma carta do ex-presidente.
A última vez que Fidel foi visto publicamente foi em 8 de janeiro do ano passado, na abertura de uma exposição de arte em Havana.
EUA e Cuba começam reunião de alto nível em Havana
Negociações marcam a primeira discussão deste porte entre os países em quase quatro décadas

WASHINGTON - Estados Unidos e Cuba realizam quarta e quinta-feira, em Havana, sob comando de duas mulheres, a primeira reunião de alto nível entre os países em quase quatro décadas, dando início ao processo de restabelecimento das relações diplomáticas anunciado em 17 de dezembro. Com portas fechadas, no primeiro dia são discutidas questões de migração, enquanto na quinta-feira o tema principal é a reabertura de embaixadas.
Na agenda americana, a prioridade é garantir liberdade ao seu futuro corpo diplomático — com permissão irrestrita de viagens pelo país — e número ilimitado de pessoal que pode ser destacado pelo Departamento de Estado à embaixada. Atualmente, a equipe da Seção de Interesses americana não pode se deslocar pela ilha, apenas por Havana, sem autorização prévia.
Os EUA também querem que seja liberado o acesso de cubanos à embaixada, hoje regulado de perto pelo regime, bem como terem autorização para importar quaisquer equipamentos e suprimentos para sua nova representação, atendendo a requisitos da Convenção de Genebra (que governa relações diplomáticas em plano internacional). Estabelecer a presença em Havana é o principal objetivo este ano nas relações bilaterais, segundo autoridade americana.
A missão — que também conduzirá a reunião semestral sobre imigração entre os dois países — será chefiada pela secretária assistente de Hemisfério Ocidental, Roberta Jacobson, que manterá ainda encontros na sexta-feira com representantes da sociedade civil e dissidentes. Do lado cubano, estará Josefina Vidal, chefe da Divisão de América do Norte do Ministério de Relações Exteriores. As duas têm sido pontos de contato de ambos os governos nos últimos anos e se conhecem bem, revelou uma fonte.
Morador de Havana exibe bandeiras de Cuba e dos EUA - Ramon Espinosa / AP
Apesar de considerar esta etapa da reaproximação a mais fácil, o Departamento de Estado não antecipa quanto tempo levará para que a embaixada seja aberta e esteja funcionando. Acredita, porém, que será uma questão de meses.
— Faz 38 anos que uma autoridade americana numa posição de alto escalão como a de Roberta foi a Cuba (pela última vez), então esta reunião é um grande acontecimento. Mas é difícil antecipar o que o governo cubano levará para a mesa e o que estará disposto a negociar. Temos agora uma agenda muito ampla em discussão. Pode levar mais duas ou três rodadas de conversas para chegarmos a um acordo — afirmou ontem uma autoridade americana.

ASSUNTOS DELICADOS

A agenda mais ampla da normalização contém assuntos mais delicados e complexos do que a abertura de embaixadas. Do lado dos EUA, a questão mais sensível é a demanda judicial para indenização de americanos expropriados ou financeiramente prejudicados pela Revolução de 1959. A Comissão para Solução de Demandas de Indenização do Departamento de Justiça, seguindo as legislações do país que tratam do embargo, considerou legítimas 5.913 das 8.821 solicitações, que somam US$ 1,902 bilhão em valor de face — mas, corrigidas, chegariam a cerca de US$ 7 bilhões.

Publicidade

O regime cubano não reconhece as alegações e o passivo judicial. O tema estará nas conversas entre Havana e Washington a partir desta semana, mas a solução da controvérsia não virá no curto prazo, afirmou uma fonte do governo dos EUA:
— As demandas judiciais por indenização têm que ser parte das conversas de normalização, da relação normal entre os dois países. Mas não haverá uma solução imediata. Como em todo processo desta envergadura, algumas questões, como embaixada e corpo diplomático, serão resolvidas rapidamente. Outras, como a solução das indenizações, levarão tempo.
Também está na lista a extradição de americanos presos ou asilados em Cuba. O tema, sob monitoramento do Departamento de Justiça, já faz parte das reuniões semestrais sobre imigração entre os dois países e, espera a diplomacia dos EUA, ganhará novo impulso com a retomada ativa das relações bilaterais. O mais importante caso é o de Joanne Chesimard. Ela vive em Cuba sob asilo desde 1979, com o nome Assata Shaku, após fugir de uma prisão em Nova Jérsei, onde matou um policial em 1972 e foi condenada em 1977.
— Nós ainda queremos que ela seja extraditada para os EUA, mas o governo de Cuba não tem se mostrado disposto a isso (ao longo dos anos). Em outros casos, porém, houve acordos e esperamos que possamos expandir a cooperação nesta área — explicou uma autoridade americana.
Do lado cubano, as autoridades monitoram com lupa o processo de revisão da Lista de Estados que Apoiam o Terrorismo, na qual Cuba foi incluída em 1982. Obama determinou ao Departamento de Estado a avaliação da retirada da ilha, o que derrubaria restrições como acesso a financiamentos bancários internacionais. É vital para Cuba. Os diplomatas têm seis meses para concluir o trabalho e a avaliação é que isso vai ocorrer em espaço mais curto de tempo.
— Queremos concluir esta revisão o mais brevemente possível. Se a conclusão for pela retirada, enviaremos a recomendação para o presidente Barack Obama e, se ele concordar, a retirada de Cuba será informada ao Congresso 45 dias antes de o novo status entrar em vigor. Se Cuba for mantida na lista, realmente teremos um quadro diferente. A decisão da normalização está tomada, mas teremos que trabalhar uma (outra) maneira de avançar no campo diplomático — admitiu um alto funcionário dos EUA.

OTIMISMO

A despeito dos obstáculos, o tom da diplomacia americana é de otimismo. A expectativa do time de Roberta Jacobson é que seja construído um espaço para avanço na cooperação em diversos temas, como o combate ao narcotráfico e proteção contra derramamento de petróleo, no qual os países já são parceiros, e novos frontes, como energia e saúde global (à luz da crise do Ebola).

Publicidade

— Nós esperamos que, a partir de agora, haja uma aceleração das conversas, uma evolução constante. Mas muito depende da disposição do governo cubano de se engajar. Nós estamos prontos a acelerar nosso engajamento — afirmou uma fonte da diplomacia dos EUA, acrescentando que “uma visita do secretário de Estado, John Kerry, a Havana dependerá muito do desenrolar das conversas em campo”.
Os EUA não esperam, porém, qualquer guinada do presidente Raúl Castro em relação à abertura democrática e à garantia de direitos humanos — tema que será parte da rodada de conversas. Na semana passada, o Departamento de Estado confirmou a libertação de 53 prisioneiros políticos, uma condição de Obama para a retomada diplomática que Raúl Castro cumpriu. No entanto, nos primeiros dias de janeiro, Havana prendeu novos ativistas (já liberados) e impediu artistas de se manifestarem em evento crítico na Praça da Revolução.
— (Desde o anúncio da retomada) vimos todo tipo de comportamento. Não temos qualquer ilusão sobre este governo (dos Castro) e sua habilidade de respeitar liberdade de expressão e manifestação. E por isso a pressão sobre eles continuará central em nossa política — afirmou uma autoridade americana.
EUA e Cuba discutem retomada de relações diplomáticas e reabertura de embaixadas
No segundo dia de conversas em Havana, delegações dos dois países vão abordar laços comerciais e de viagem

HAVANA — A delegação americana de mais alto nível a chegar a Cuba em 35 anos iniciou nesta quinta-feira conversas com autoridades cubanas para restaurar as relações diplomáticas e eventualmente estabelecer laços comerciais e de viagem — a reabertura de embaixadas é um dos assuntos prioritários. As rodadas de reuniões, que começaram na quarta-feira, são o primeiro contato desde que os presidentes Barack Obama e Raúl Castro anunciaram, em 17 de dezembro, a retomada das relações depois de 18 meses de negociações secretas.
O primeiro dia de conversas teve claras divergências num dos pontos mais controversos entre os dois países: a imigração. Enquanto Cuba expressou sua preocupação com a política migratória americana em relação à ilha, concretamente pela Lei de Ajuste e a norma “pés secos/pés molhados”, Alex Lee, subsecretário adjunto para a América Latina do Departamento de Estado dos EUA, deixou claro que irá manter a norma — que Havana considera “o principal estímulo para a emigração ilegal para os Estados Unidos”.
— A parte cubana enfatizou que, apesar das medidas tomadas, eficazes, eficientes, pelos serviços de ambos os países, a persistência da política de ‘pés secos /pés molhados’ e da Lei de Ajuste Cubano, contradizem a letra e o espírito dos acordos migratórios — disse na quarta-feira a representante cubana, Josefina Vidal. — A lei continua sendo o estímulo principal à imigração ilegal, ao tráfico humano e às entradas irregulares nos EUA. E encoraja profissionais de saúde cubanos a abandonarem suas missões em outros países, o que é uma prática reprovável de fuga de cérebros que vai contra os acordos migratórios.

Aumento da repressão

Apesar das objeções de Havana, representantes americanos prometeram manter o estatuto especial aos imigrantes cubanos, vigente desde a década de 60, que permite que todos os que cheguem em solo americano possam permanecer no país — enquanto ilegais de outras nacionalidades são deportados.
— Explicamos ao governo cubano que o nosso governo está completamente empenhado em defender a Lei de Ajuste Cubano, que o conjunto de políticas relacionadas à migração permanecerá em vigor — disse Lee.
Nos últimos dias, e receando que o diálogo entre os dois países agrave a situação de quem quer sair da ilha, vários cubanos resolveram fazer a travessia marítima de 145 quilômetros para chegar à Flórida — em dezembro, o número de interceptações no mar dobrou em relação ao mesmo mês de 2013.
Apesar da falta de um acordo significativo sobre o tema, as partes concordaram em ampliar a cooperação contra a emigração ilegal e manter periodicamente reuniões técnicas como as que já acontecem entre os serviços de guarda costeira dos EUA e de Cuba.
De Miami, organizações de exilados cubanos, por sua vez, rejeitaram que Washington continue fazendo “concessões” a Cuba, enquanto a repressão na ilha aumenta. Mais de 50 organizações de dissidentes, dentro e fora da ilha, denunciaram o aumento da repressão e de prisões arbitrárias de ativistas no último mês. Segundo um relatório divulgado nesta quarta-feira, entre 17 de dezembro e 17 de janeiro houve 103 prisões.
— Se os EUA estabelecem relações com o regime (cubano) e não impõem uma mudança da política em relação à dissidência como condição fundamental, toda essa abertura econômica feita por Obama em direção ao regime vai fortalecer a repressão — afirmou Orlando Gutiérrez-Boronat, do Diretório Democrático Cubano. — A repressão continua tão forte como sempre foi em Cuba.
A porta-voz da ONG, Janisset Rivero, indicou ainda que mais de 70 pessoas incluídas nas listas de presos políticos ainda não foram libertadas — dentre elas, ativistas presos há mais de 20 anos.

Itamaraty elogia Obama

Na terça-feira, durante o tradicional discurso do Estado da União, o presidente Obama propôs ao Congresso americano que o país trabalhe pelo fim do embargo a Cuba, argumentando que a medida poria fim a um legado de desconfiança no hemisfério. Obama tem a autoridade executiva para restaurar os laços diplomáticos e suspender algumas sanções, mas precisa do Congresso, controlado pelos republicanos, para revogar o bloqueio econômico.
As declarações do americano foram bem recebidas pelo governo brasileiro. Em nota divulgada nesta quarta-feira, o Itamaraty deixa claro seu entusiasmo.
“O Brasil saúda esse passo positivo na desejada normalização das relações hemisféricas e no relacionamento entre os EUA e Cuba, dois países com os quais mantém relações históricas de amizade e parceria”.
Museus de EUA e Cuba anunciam grande intercâmbio de obras de arte
Museu de Artes do Bronx e Museu Nacional de Belas Artes de Havana vão fazer a troca mais vasta entre os países em 50 anos

NOVA YORK
— O americano Museu de Artes do Bronx e o cubano Museu Nacional de Belas Artes de Havana anunciaram, nesta quarta-feira, que um grande intercâmbio de obras de suas coleções será realizado neste e no próximo ano, no que é considerada a troca mais vasta entre museus dos dois países em mais de 50 anos.

"O acordo é fruto de negociações curatoriais que começaram bem antes da recente reaproximação diplomática entre Estados Unidos e Cuba", explicou Holly Block, diretora executiva do Museu do Bronx, que viaja para a ilha caribenha e acompanha o trabalho dos artistas locais há duas décadas.
Mais de 80 obras de arte, da década de 1960 até hoje, vão sair da coleção permanente do Bronx para serem expostas no Museu Nacional de Havana, de 21 de maio a 16 de agosto, coincidindo com a 12ª edição da Bienal de Havana. No outono de 2016, mais de 100 obras do acervo do museu cubano farão o caminho contrário e serão expostas no Museu do Bronx, que já conta com diversos trabalhos de artistas cubanos e de outros países latinos, além de africanos e asiáticos.
"Existem, é claro, grandes diferenças entre o Bronx e Havana, mas também há similaridades", afirmou Block. "A ideia é fortalecer o fato de que o Museu Nacional é um museu muito local, que é o que nós somos, também".
Grande parte da coleção de Havana já viajou anteriormente — a exposição mais notável foi no Museu de Belas Artes de Montreal, Canadá, em 2008, para o show "iCuba! Art and history from 1868 to today".

Publicidade

http://ads.globo.com/RealMedia/ads/adstream_lx.ads/ogcoglobo8/cultura/artesvisuais/materia/L39/1693371588/x21/ocg/mundi_130101_globo_rein_ros/banner-mundi-300x2501427289.html/7956446c56565447755a4541414d5172?_RM_EMPTY_&idArtigo=15118369
Desde que os Estados Unidos impuseram o embargo comercial entre os dois países em 1960, muitas exibições de artes cubanas foram organizadas nos EUA, e peças de colecionadores privados americanos foram expostas em Cuba. Mas nunca houve um intercâmbio dessa escala entre os dois museus.
"Isso faz muito sentido para nós", disse Corina Matamoros, curadora de arte contemporânea do Museu Nacional de Havana. "Nossos museus têm uma missão comum e uma visão comum sobre arte contemporânea, criada em contextos específicos da comunidade".
As exibições deste e do próximo ano serão chamadas de "Wild noise" (ruído selvagem), numa referência à beleza caótica de espaços urbanos, baseada em uma passagem de poema de Victor Hugo. "Eu quero ser bem clara ao dizer que, por conta do isolamento que estamos sofrendo nos últimos 50 anos, realmente não acho que os Estados Unidos sabem muito sobre a arte cubana. Acho que essa arte, que vai dos anos 1960 até hoje, será uma revelação", afirmou Matamoros, citando artistas locais como Antonia Eiríz Vázquez, Raúl Martínez e Alfredo Sosabravo.


Comentários