A PRÁTICA DO BUDISMO É A VIDA EM GRUPO - ENTREVISTA DA MONJA COEN SENSEI NO ANO EM QUE COMPLETA 70 ANOS

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A Prática é a Vida em Grupo
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No ano em que comemora 70 de vida – sendo 35 deles dedicados à vida monástica – a Monja Coen Sensei concede esta entrevista à Revista Bodisatva. Nela, Monja Coen nos fala sobre a importância da prática em grupo e a tendência – considerada por ela equivocada – de praticantes ao isolamento. Também comenta o papel dos leigos para estruturação do budismo no Brasil e – diante da nossa pergunta sobre como podemos ajudar o Darma a beneficiar a todos – responde sem titubear: “Fazendo doações”, com o mesmo tom de bom senso e obviedade com que nos transmite os próprios ensinamentos do Buda.
A entrevista aconteceu em Curitiba, onde a Monja Coen participou de eventos organizados pelo CEBB Curitiba e pelo Zendo Brasil, reunindo cerca de duas mil pessoas na famosa “Ópera do Arame”. A Monja também ofereceu um retiro de dois dias no CEBB Sukhavati, em Quatro Barras.
Feliz por saber que a Bodisatva segue em circulação, foi na recém-inaugurada sala de prática do Sukhavati que ela nos recebeu para o bate-papo, após um dia inteiro de atividade, cheia de alegria e de energia.

Bodisatva – O Darma historicamente esteve ligado aos monges e às monjas, à ideia de renúncia e dedicação total. Hoje, grande parte dos praticantes do budismo de várias tradições é leiga, praticam em meio à vida.

Como a senhora vê essa nova fase do Darma? É possível alcançar a iluminação fora da vida monástica?

Monja Coen – Não se pode dizer que todos podem alcançar a iluminação mantendo a sua vida secular. Muita gente fica tão aprisionada dentro do sistema que não consegue praticar e diz que tudo o que faz na vida é o caminho, mas não é verdade. Eu tenho notado que as pessoas começam a praticar, entendem que a prática é muito importante na sua vida e se afastam das comunidades e dos grupos e, com isso, se afastam, na verdade, do próprio caminho. Porque o caminho tem que ser realizado em grupo, com orientação e não sozinhos. Não é que a vida familiar ou o trabalho impeçam a sabedoria perfeita. Eles não impedem, desde que você mantenha sua prática. Mas muitas pessoas caem neste engano.
Por outro lado, ser monástico no Brasil é praticamente impossível, pois não temos aqui sanga de sustentação para manutenção dos monásticos. Ela ainda está em formação. As pessoas que acreditam no caminho de Buda, os budistas, podem vir a ser fonte de sustentação daqueles que queiram se dedicar exclusivamente aos estudos e à disseminação do Darma. Por enquanto, não temos mosteiros, templos, casas… Tudo isto ainda está para ser feito e feito pela sanga leiga, já que não temos nenhum apoio do governo.
É muito bonito o interesse e o apoio de pessoas leigas na criação de comunidades que futuramente serão compostas tanto por leigos quanto por monásticos. Um não é superior ao outro, mas são votos diferentes. Quem faz o voto monástico não trabalha mais em nenhuma outra coisa. Sua profissão é ser monge, mas no Brasil não temos nenhum apoio para isso. Para manter e atender a minha comunidade eu trabalho como uma enlouquecida, dou palestras pelo país inteiro, fico exausta. Isso me exige muito.
No Brasil estamos começando a criar uma comunidade: o Via Zen, centro de prática Zen-budista da linhagem Soto-shu, localizado no Rio Grande do Sul. Tem um casal que mora lá atualmente. O processo está bem no início, mas é uma semente para o futuro.
Acredito que mais pessoas vão se propor a viver desta forma, independentemente do voto monástico ou não. O que estou fortalecendo em nossa comunidade, inspirada pelos tibetanos, é formar professores leigos. Nas ordens japonesas isso não acontece, é muito raro, 95% dos professores são monásticos. Treinar leigos para se tornarem professores do Darma é uma novidade para nós.
Dentro do budismo tibetano a comunidade leiga está crescendo, muitos são professores e poucos são monges. É outro caminho e acho isso muito bom, pois não podemos perder grandes professores só porque não são monges. Afinal, o voto monástico é muito específico e não estamos preparados para oferecer treinamento. Monges são treinados morando juntos, não tem como ir pra casa, descansar, ir ao cinema. Só tem estudo do Darma e convivência, convivência e convivência.
Manter uma sanga de leigos é mais fácil porque você não precisa de mosteiros, mas é importante ter um compromisso de prática, se não isso se dissolve. Tem muita gente que se envolve até um determinado ponto e depois se afasta porque acha que já aprendeu o suficiente. Não estuda mais ou estuda sozinho e não transmite os ensinamentos. Desse jeito a sanga não cresce, não vibra. É uma grande ilusão.

B – O isolamento é necessário?

O Budismo japonês é contrário à individualidade, só existe prática no coletivo. A convivência é o que forma o monge. Fazer prática sozinha em uma caverna é impensável, não é considerada formação monástica. O comum é a vida em grupo, a experiência de relacionar-se entre seres humanos. Ver quem fica mais redondo, macio, sem pontas, sem brigar, sem se impor.
Todos trabalham na cozinha, fazem faxina, fazem de tudo. A formação é tornar-se capaz de sobreviver e de cuidar de uma comunidade conhecendo todos os seus aspectos.
Minha orientadora dizia que não há nada romântico em ser monja. É um trabalho árduo: limpamos a sujeira do mundo, não a física, mas a mental. As pessoas carregam muitas dificuldades e lidamos com isso.

B – Ao que a senhora atribui o crescimento do budismo no Brasil? Que tempos são esses que vivemos?

Em primeiro lugar ao interesse em conhecer-se a si mesmo e de conhecer a mente humana. O budismo tem muita força neste aspecto. As desilusões também têm colaborado para o aumento da procura pela meditação, pois as pessoas encontram nos ensinamentos de Buda alívio para suas ansiedades, depressão, tristeza e desesperança.
Mas o que está acontecendo é que estamos sendo bombardeados o tempo todo pela mídia com notícias negativas, e o que é bom não está sendo mostrado, está escondido. Na verdade, há um movimento internacional para desmoralizar tudo o que existe, querem destruir imagens de liderança, e isso é muito pesado. No tornamos grandes críticos e só apontamos erros e defeitos. A mídia nunca aponta as coisas boas que são feitas. Disso surge a desesperança, o medo, a insegurança e as pessoas acabam procurando grupos budistas a fim de encontrar mais tranquilidade. Em minha opinião, a crise e o colapso do sistema capitalista também tem motivado esse crescimento.

B -A senhora é bem ativa nas redes sociais, tem até programa de rádio. Como tem sido essa experiência?

Há uma grande onda de interesse pelo budismo e eu mesma estou vivendo um momento assim por causa dos vídeos que meu genro-neto está postando no YouTube. Estou com muita visibilidade, mas sei que é passageiro, como tudo na vida.  Não sou nada especial, só gosto de falar, gosto de contar histórias. As pessoas se encantam porque a história é boa, o ensinamento é rico e está sendo transmitido pelos meios de comunicação modernos.
Monja Coen
Monja Coen na Ópera de Arame. Foto Íris Lopes
Isso atrai muito as pessoas, mas quantas de fato vão ficar, vão seguir no caminho? Pouquíssimas. Mesmo se muitas quisessem, nem teríamos como recebê-las. Como já disse, nossas estruturas não estão prontas, então criamos vivências e retiros. Os mais interessados vêm e assim colocamos uma sementinha nessas pessoas. Algumas vão germinar, outras não. O ideal seria sempre acompanhar este jardim, esta plantação.

B – E para essas pessoas interessadas, o que a senhora diria para que elas consigam manter a motivação?

Temos que atravessar a noite escura –  a prática nem sempre é estimulante e gostosa. Às vezes parece que não está acontecendo nada. Tem momentos que perdemos o estímulo e precisamos de muita determinação e confiança no orientador.
E como criamos essa confiança mesmo achando tudo muito chato? Continua, continua na sua prática. Vai haver uma mudança e você tem que atravessar as dificuldades. Muitos quando se deparam com este momento se afastam, procuram outro “hobby”: enquanto estava bom era interessante, como ficou chato, vão fazer outra coisa, desistem.

B – Como reconhecer o professor?

É uma questão de afinidade. Sua Santidade O Dalai Lama aconselha a escolher seu mestre analisando a coerência entre o que ele ensina e o que ele vive. A pergunta que devemos fazer é: ele é coerente com os princípios que está pregando? Precisamos escolher com quem vamos trabalhar. E a escolha é mútua, não é só o aluno que escolhe o professor, o professor também escolhe o aluno. Às vezes, oriento alguns alunos a procurarem outro professor porque sei que será mais produtivo para ele.

B – O que a motivou a fazer os votos?

Zazen, a meditação. O dia em que encontrei esta prática, não tive dúvidas: entreguei os dias de vida que me restam a ela. Foi em 1983, eu tinha 36 anos. Sou monja há 35 anos e não há nada mais importante na minha vida do que isso. Larguei tudo, foi uma libertação. Tornei-me residente no Zen Center de Los Angeles e lá, na época, já havia uma comunidade firme, estabelecida. Entrar em um lugar já estruturado foi bem mais fácil.

B – De que forma podemos contribuir para o Darma se espalhe e beneficie a todos?

Falando de uma forma bem prática, as pessoas deviam fazer doações para que o Darma se espalhe e continue. Não vejo isso acontecer no Brasil, é muito raro. A maioria quer receber, mas não quer dar nada em troca. Quero ver os fiéis budistas construírem templos. O budismo é uma joia que pode trazer grande contribuição para a paz mundial. Ele traz conhecimento para que as pessoas desvendem o funcionamento da sua própria mente e se libertem, deixando de ser manipuladas. O interesse é crescente, mas é necessário suprir a escassez material para que isso se desenvolva como tem que ser. Nós vamos conseguir, temos que conseguir, pois vivemos um momento de transformação.

Agradecimentos especiais ao CEBB CuritibaBernadete Brandão e Iris Lopes.
Fonte:http://bodisatva.com.br/entrevista-monja-coen/

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