ARTISTAS E CURADORES SE UNEM PARA COMBATER A CRISE DOS REFUGIADOS

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Artistas e curadores se unem para combater a crise dos refugiados


Os mais importantes curadores e artistas se unem para denunciar o crescimento da xenofobia e pedir abrigo e melhores condições para aqueles que fogem de guerras e perseguições religiosa


15/02/2018| POR BETA GERMANO | FOTOS DIVULGAÇÃO


Artistas e curadores se unem para combater a crise dos refugiados (Foto: divulgação)
ERA SETEMBRO DE 2015 quando o mundo chorou ao ver a foto de Aylan Kurdi, uma criança síria encontrada morta em uma praia turca. Aylan era só um dos milhares que tentam cruzar o Mediterrâneo diariamente para fugir da guerra civil que devasta sua terra natal desde 2011, em busca de uma vida nova na Europa. Naquele mesmo dia, não longe dali, os mais renomados colecionadores, curadores e artistas perambulavam pelas ruelas de Istambul para ver as obras apresentadas na Bienal da cidade, idealizada pela poderosa curadora Carolyn Christov-Bakargiev, enquanto alguns países europeus começavam a fechar suas fronteiras, agravando ainda mais a atual crise migratória que é, de acordo com a ONU, a maior desde a Segunda Guerra. No ano seguinte, mais de 5 mil pessoas morreram se arriscando a atravessar o Mediterrâneo e, em 2017, quase 16 mil menores chegaram ao Velho Continente sem suas famílias.
Artistas e curadores se unem para combater a crise dos refugiados (Foto: divulgação)
Era setembro de 2017 e os mesmos renomados colecionadores, curadores e artistas perambulavam de novo pelas ruelas de Istambul. E, desta vez, se emocionaram com outra criança síria: o filme Wonderland, do turco Erkan Özgen, traz Mohammed, deficiente auditivo e com mudez, contando como é a guerra que ele testemunhou em seu país. A expressão de seu corpo e rosto é forte e, com a obra, Özgen consegue falar sobre o massacre na região de forma intensa, sem transformá-lo em 'pornografia de violência'. “A obra é difícil de assistir e convida o espectador a assumir a responsabilidade do que ocorre com essas pessoas”, explica.
A Turquia, como se vê, é uma das nações que mais sente a atual tensão migratória – é por ela, pela Grécia e pela Itália que a maioria dos sírios, marroquinos, nigerianos, marfinenses, guineenses e afegãos aventuram-se para entrar na Europa. Desde 2016, os turcos fizeram um acordo com a União Europeia para acolhê-los oficialmente. O questionamento central da Bienal de Istambul de 2017, portanto, não poderia ter sido outro, senão o que significa uma boa vizinhança.
Artistas e curadores se unem para combater a crise dos refugiados (Foto: divulgação)
Mas Istambul foi apenas uma das intensas paradas artsy de 2017. O ano foi marcado por um fato histórico e inédito: a Documenta, mais importante mostra do planeta, não aconteceu somente em Kassel, na Alemanha, sua tradicional sede a cada cinco anos. A Grécia, por onde chegam em média 56 mil pessoas por semana só na ilha de Lesbos, foi o lugar escolhido pelo curador polonês Adam Szymczyk para instalar metade da Documenta 14, em abril. Se alguém tinha alguma dúvida de que o tema das migrações seria abordado por muitos participantes, bastava entrar na sala do vídeo Glimpse, do também polonês Artur Żmijewski, que enfoca campos de refugiados no aeroporto de Berlim, nas ruas de Paris e no muito falado acampamento de Calais, de onde foram expulsos, em outubro de 2016, cerca de 6.400 refugiados pela polícia francesa, que declarou estar 'limpando' a cidade. A obra é simples e poderosa, ao incluir uma série de momentos incômodos e arriscados: caso da cena na qual o artista entrega uma vassoura a um dos moradores do acampamento e parece encorajá-lo a varrer a rua parisiense – seu lar temporário. Żmijewski deliberadamente coloca o refugiado como objeto de um olhar examinador e humilhante perante uma audiência que pode oscilar entre se ver refletida nos padrões históricos de um público xenófobo, ou sentir empatia, constrangimento e, quem sabe, pensar em fazer algo a respeito.
Um mês depois da abertura da Documenta em Atenas, Olafur Eliasson apresentou Green Light na Bienal de Veneza, um polêmico projeto que igualmente depende do público (consciente ou não) para se completar: 40 indivíduos de Nigéria, Gâmbia, Síria, Iraque, Somália, Afeganistão e China ocuparam o centro do pavilhão principal do Giardini para montar luminárias verdes – a representação física da cor e da luz seria uma metáfora sobre a admissão de migrantes. “Ir para Veneza deve significar estar mais perto da sociedade. Não se vai para a Bienal para escapar dos problemas do mundo, é o oposto: é o lugar onde você precisa ver coisas em melhor resolução”, afirma o dinamarquês. Apesar de possuir um programa de educação e consultoria psicológica e legal para diferentes grupos em exílio, Olafur construiu ali uma situação que coloca o espectador na mesma posição desconfortável proposta por Żmijewski e Özgen. “Ele claramente fez de propósito. Queria incomodar mesmo. Muitos artistas falam de exploração, explorando. É uma forma de desmascarar o próprio sistema da arte e fazer mea culpa”, diz o curador Agnaldo Farias.
Artistas e curadores se unem para combater a crise dos refugiados (Foto: divulgação)
Em junho, a mesma turma que se encontrou em Atenas e Veneza estava reunida em Kassel, na Alemanha, para ver a segunda parte da Documenta. Os germânicos, vale lembrar (por ironia do destino ou culpa histórica), parecem ser os europeus que melhor acolhem os refugiados: abrigaram formalmente em torno de 1,5 milhão entre 2015 e 2016. A obra mais comentada da mostra foi o filme The Dust Channel, no qual o israelense Roee Rosen retoma a obsessão europeia pela limpeza, questionada antes por Żmijewski. Rosen, no entanto, é o humor negro empessoa: a ópera cinematográfica baseada num libreto russo conta a história de um casal burguês que tem uma devoção pervertida pelo aspirador de pó DC07, e medo de qualquer “elemento invasor”. Em paralelo, o autor narra a vida de James Dyson, criador do aparelho, e intercala suas declarações com o noticiário israelense sobre os asilados, fazendo tudo parecer xenofobia. “Estes desejos gerados pela sujeira e limpeza e o poder invasivo do pó me fazem pensar na onda humana e na política de Israel em relação aos russos que chegaram aqui após a dissolução da União Soviética”, explica Rosen.
Artistas e curadores se unem para combater a crise dos refugiados (Foto: divulgação)
O ano passado fechou como lançamento do documentário Human Flow, dirigido por Ai Weiwei – definitivamente o artista que melhor entende o que significa ser obrigado a abandonar o próprio país. Weiwei, no entanto, vai além da crise europeia. Ele exibe as precárias condições dos sírios que vivem em campos na Jordânia; dos iraquianos espalhados pelos países vizinhos do Oriente Médio; dos afegãos que foram para o Paquistão ainda na década de 1970 e agora são obrigados a voltar; da minoria muçulmana rohingya de Mianmar, que migrou para Bangladesh, Tailândia e Malásia; e do maior campo de refugiados do planeta, Dadaab, no Quênia, que recebe gente da Somália, Eritreia, Sudão e Etiópia. O recado de Weiwei é claro: é preciso entender que o mundo está encolhendo e populações de diferentes origens e religiões terão de aprender a conviver.
E se os números desse movimento de massa humana são preocupantes – hoje 28,3 mil pessoas são forçadas a abandonar seus lares todos os dias por causa de guerras e perseguição –, precisamos também da ajuda de arquitetos. Shigeru Ban já faz, há tempos, a sua parte: é reconhecido por programas humanitários para desabrigados – começou acolhendo aqueles que fugiam do genocídio de Ruanda, em 1994, e, em 2017, desenhou casas sustentáveis em um campo de refugiados no Quênia que, só no ano passado, recebeu 17 mil pessoas. Em 2019, Rem Koolhaas vai curar uma exposição no Guggenheim que aborda o assunto. E, neste ano, a terceira porta de entrada da Europa, depois de Turquia e Grécia, a Itália vai sediar outra grande mostra com criativos contestando a situação: a Manifesta, que será realizada em Palermo, tratará de temas como diversidade e migração contínua.
Artistas e curadores se unem para combater a crise dos refugiados (Foto: divulgação)
Segundo aparece em uma cena de Human Flow, quando o muro de Berlim caiu, em 1989, existiam 11 países no mundo que usavam muralhas e cercas para isolar partes de seus territórios. Em2016, esse número havia saltado para 70. Este e outros exemplos, como as decisões de Donald Trump de encerrar um programa de proteção a imigrantes haitianos (o que vai significar a saída de 60 mil deles dos EUA) e restringir a entrada de cidadãos de Síria, Chade, Irã, Líbia, Somália e Iêmen, indicam que os artistas terão de intensificar o discurso de oposição. Eles não se calarão.
Fonte:http://casavogue.globo.com/LazerCultura/Arte/noticia/2018/02/artistas-e-curadores-se-unem-para-combater-crise-dos-refugiados.html



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